Festas de S. Pedro

Em Setembro, geralmente no primeiro domingo e dois ou três dias seguintes, tinham lugar em Salgueiro do Campo as tradicionais festas em honra de S. Pedro.

De há muito que a mocidade do sítio pensava nestes dias. E pensava, sobretudo, por causa da preparação do vestuário, coisa que cada vez mais preocupava as mulheres, as rurais, e mesmo os homens.

Cada qual ia matutando no que havia de arranjar de mais vistoso e mais moderno para exibir nesse dia. Anote-se o desejo de quererem adoptar o figurino das senhoras que viam na cidade o qual, às vezes, lhes ia muito mal.

Pois no dia da festa lá ia a mocidade toda vestida de novo: elas empapoiladas ao máximo, um conjunto onde as cores às vezes destoavam, eles muito graves nos seus fatos novos, os casados com seu fato preto do casamento e que lhes há-de servir também de mortalha.

Logo de manhã chegava a filarmónica e eram lançadas, na Penha, algumas centenas de foguetes. É a alvorada, para anunciar o início dos festejos.

A filarmónica, com a pequenada atrás, e não só, percorria depois as ruas da aldeia, entrando em casa dos organizadores das festas para o «mata-bicho».

Pelas 12 horas os sinos da Igreja tocavam a convidar os fiéis a assistirem à missa. O altar brilhava. A missa é de cerimónia e mete sermão por orador convidado para o efeito.

Após a missa, seguia-se a procissão. O Pároco vai sob o pálio, bordado a ouro ou coisa que o imita, acolitado por dois sacerdotes.

Seguem os anjinhos, crianças muito despidas, com o rosado das carnes tenras à mostra, inocentes e fatigadas com résteas de tule e asas de penas brancas, grinaldas de flores artificiais na cabeça.
Seguem os andores, incluindo também o do mártir S. Sebastião que para o efeito havia sido trazido da sua capela antes da missa, todos cobertos de flores, aos ombros dos rapazes, como promessa.

Os guiões, altos e agitados pela brisa, põem à prova a força e destreza dos seus portadores. É prova de valentia o meter e tirar os guiões pela porta principal da Igreja, sem a ajuda de outros. É mesmo uma prova de curiosidade para muitas pessoas.

Das janelas pendem colchas e são lançadas sobre os andores e o pálio pétalas multicolores e perfumadas de flores cultivadas e silvestres.

A filarmónica toca uma marcha grave.

O fogueteiro, pausada e ritmicamente, lança os foguetes que vão atroar os ares, assustando a passarada que foge daquele inusitado movimento.

Após as cerimónias religiosas seguia-se o almoço e a este a tradicional corrida de bicicletas.

O repasto é melhorado no dia de festa, não só pela família da casa, mas também pelos convidados que quase sempre há e às vezes numerosos. Por isso se mata na véspera, cabrito ou borrego que se comprou pelo Natal e para tal fim destinado.

Depois do jantar, cujo ponto final o põe a fruta do pomar e o arroz-doce ou a tigelada, os convivas erguem-se da mesa e ala que vão sendo horas de começar o arraial, que há alguns anos atrás tinha lugar no largo do Rossio, mas posteriormente se passou a realizar no largo mais amplo da povoação, junto à estrada.

O local é todo ele uma fonte de luz: balões, bandeiras de papel, tudo pendurado nos cordões de barbante, indo de mastro em mastro, do cais ao fundo da rua, dando a volta ao largo, correndo a rematar na quermesse, a peça principal das decorações, ou no coreto, representando tudo uma sequência de trabalho febril.

Sobem ao ar os primeiros foguetões e «very lights», alumiando como se fosse dia. A filarmónica, de fardamento azul-claro e doirados nos bonés, instrumental faiscando à luz das gambiarras, toma lugar no coreto -- hoje de cimento e a título definitivo, para evitar a repetição do sucedido antes que, então de madeira, ruiu por não suportar o peso a que foi sujeito. Do baú de folha, saem os papéis onde está hieroglifado o reportório escolhido a preceito.

Tudo a postos. O mestre, alto, distinto, dá a entrada e o arraial entra em plena animação. Os muros do largo e a esplanada estão repletos.

O serão decorre e a noite caminha para a madrugada. No coreto já alguns músicos dormitam nos intervalos dos programas. A barraca do «Bom Vinho do Salgueiro» continua a fazer bom negócio. As meninas das rifas e das flores continuam a dar a sua actividade ao encargo que lhes deram. Na quermesse, já muitas prendas leiloadas deixaram vaga. Mas a mocidade continua a dançar.

Chegam as quatro horas.

O fogo preso desperta os assistentes do arraial. Cores tão variadas e tão nítidas que até incomodam a vista. O fogueteiro-pirotécnico, de cana em riste, ateia a parte onde o lume, apagando-se, faz uma estação na peça.

Com o fogo preso termina o dia festivo. Mas as festas continuam por mais dias, dias de alegria e emoção.

Nos últimos dias de festa, os acordes musicais ficam a cargo de uma aparelhagem sonora e de um acordeonista. São estes dias os mais divertidos familiarmente pois os forasteiros já saíram.

Têm lugar nestes dias as provas de atletismo, o puxar à corda, o desafio de futebol entre solteiros e casados e aparecem também as danças antigas participadas por pessoas alegres e divertidas para quem a idade não conta. Aparece então o vira e o fandango. Até os novos deixam de dançar no novo estilo para apreciarem seus pais e avós nas danças dos seus tempos de juventude. O povo apinha-se formando círculo para ovacionar com salvas de palmas os dançarinos.

Acabada a dança, dizem eles como que a quererem desculpar-se de algum passo mal dado: -- se eu me apanhasse no meu tempo!...

E a festa termina assim num ambiente de alegria e boa disposição.

No dia seguinte, uns retomarão o caminho da cidade onde vão fazer o dia para voltarem à noite, outros irão regar as terras que trabalham com o suor bendito das suas fontes rugadas.

Posteriormente, a festa deixou de se realizar em honra de S. Pedro, passando a ser apenas de carácter profano. Passou a ter lugar no final de Julho, princípio de Agosto, aproveitando a presença dos emigrantes, em férias.

                             Partida para corrida de bicicletas

                                      Quermesse 

                                            Arraial