Actividades agrícolas

Sendo Salgueiro do Campo uma povoação que, na sua essência, sempre viveu da terra e ligada à terra, a sua tradição agrícola é semelhante à de outras do Campo Albicastrense que estão nas mesmas circunstâncias. Todavia, pela especificidade e pela importância regional que tiveram, destacaram-se três actividades que deram eco ao nome do Salgueiro do Campo. São elas a produção artesanal da corda, a manufactura do linho e a produção artesanal de vinho.

Salgueiro do Campo - Centro cordoeiro da Beira Baixa

Numa população ocupada essencialmente com as fainas agrícolas, existiam alguns utensílios imprescindíveis para o dia a dia. Uns desses utensílios eram as Cordas. A sua presença era notada, principalmente nas cargas dos carros de tiro. Eram elas que as seguravam, que amarravam os animais às cangas e permitiam a condução dos animais.

Na Beira Baixa, a manufactura das cordas foi introduzida pelos Galegos, que no Verão se deslocavam até nós, e andavam de terra em terra confeccionando-as para quem as necessitava. Aqui contratavam ajudantes, que os acompanhavam, e que no Inverno, lhes guardavam os equipamentos até ao Verão seguinte.

Alguns destes ajudantes, depois de assistirem regularmente à manufactura das cordas, também se aventuravam na sua produção, muitas vezes, por os galegos que lhes tinham deixado à guarda os equipamentos, não voltarem.

As cordas, são essencialmente feitas de linho, mas nalguns casos também se fabricam de junça, que é uma erva das ribeiras. Algumas, mais pequenas e finas, eram confeccionadas com pêlo de cabra.

As melhores e mais resistentes eram as manufacturadas com linho puro, existindo diversos tipos, consoante a sua espessura e o seu comprimento, medido em braças:

As Liaças, de 7 braças e que servia para atar as carradas nos carros;

As Travadeiras, travavam os “afogueiros” dos carros nas cargas e mediam cerca de 10 braças;

Os Calabres eram cordas bastantes grossas, mediam até 20 braças e eram usadas para grandes carros e carradas;

As Prisões, mediam cerca de 2,5 braças, e serviam para prender o gado à manjedoura, ou no campo para pastarem.

As Guias, prendiam-se aos cornos das vacas, para os ganhões as puxarem e as Rédeas que se prendiam aos arreios, eram feitas com 2 braças.

As Brochas, seguravam os animais às cangas. Estas cordas tinham laços nas pontas, mas eram manufacturadas como peças únicas.

Também se fabricavam cordas que serviam para atar pequenas cargas no dorso dos animais, lenha, sacos ou outros volumes. Tinham entre 2,5 e 6 braças e chamavam-se Cordas de Inquerir.

Os equipamentos para o fabrico das cordas são a Roda, A Tabueta, a Tabuleta, a Burra, a Cartilha e o Engenho das Guitas e eram na maioria das vezes construídos pelos próprios cordoeiros.

                                         Roda

                                      Tabueta

  Engenho das guitas (O Ti António Alberto)

  Engenho das cordas ( O Ti António Alberto)


Estes equipamentos servem no seu essencial para torcer os fios de linho, produzindo-se assim fios mais grossos e que são novamente torcidos até se obter a espessura pretendida. Para que o “torcer” fosse mais eficaz os extremos de cada corda em torcidos em sentidos diferentes.

A Roda é constituída por uma coluna em madeira, com uma relha na parte inferior que se espetava no chão. Na sua parte superior tinha uma cruzeta com três fusos ou tornos, com um gancho na extremidade e que giram através da acção de uma correia accionada por uma roda. A Tabueta também se fixa ao chão com um espigão de ferro. O seu corpo é perfurado por quatro orifícios, vértices de um quadrado, que são atravessados por quatro ferros com uma configuração em “L”, de um lado para fazerem de manivela e receberem a Tabuleta que se lhes ajusta. Do outro terminam em gancho. A Tabuleta imprime um movimento circular simultâneo aos ferros, que obrigam os fios a enrolar-se. A Burra é uma forquilha forte, aproveitada de um ramo forte. Junto da bifurcação está cravado uma haste vertical que é atravessada por uma ferro, também com uma configuração de manivela de um lado e gancho do outro. Este instrumento tem por finalidade manter a corda, na sua fase final de manufactura, esticada. A Cartilha é um pequeno instrumento em madeira, com configuração de pinha, rasgada longitudinalmente por quatro sulcos, e tem por função manter os fios junto, para não se desmancharem. O Engenho das Guitas é um instrumento de construção mais sofisticada pois possui uma série de carretos de dentes que desmultiplicam o movimento de uma manivela e produzem um movimento mais delicado dado a natureza das cordas que fabrica: as guitas.

Na manufactura das cordas, o cordoeiro começava por colocar uma porção de estriga (linho puro) ao ombro. Num dos fusos da Roda prendia uma ponta e com o ajudante a tocar a Roda, o cordoeiro ia “fiando” a estriga até obter um fio simples. Após se obter o fio simples, este era desengatado do fuso e uma das extremidades era presa na haste da roda e a outra, esticada, presa numa pedra, para não se desenrolar. A manufactura dos fios era repetido por três vezes, tendo o cuidado de dar sempre o mesmo torcido, ou seja o mesmo sentido de torção.

Depois dos três fios estarem feitos, eram engatados nos fusos e seguros pelo cordoeiro nas extremidades, e o ajudante voltava a tocar a roda, mas agora em sentido inverso ao inicial. Ao se torcerem estes fios, passava-se um pano húmido, para o cordel ficar mais consistente. Chamava-se a esta operação “polir a corda” e a esta fase da manufactura, “alinhavar o cordel”. De seguida, o cordel alinhavado é preso aos ganchos da Tabueta e a estes engata-se a Tabuleta. Nesta fase o cordoeiro já tem quatro fios, e procede ao seu entrelaçamento. Depois de estar concluída esta operação o entrelaçamento passa agora das mãos do cordoeiro para a Burra, exercendo esta um grande peso. Muitas vezes o cordoeiro pedia a outra pessoa sentava-se nela para ainda fazer mais peso. Numa das extremidades o ajudante “tocava” a Tabueta e no outro o cordoeiro tocava, em sentido inverso a manivela da Burra. A este entrelaçado chamava-se Nora. Bem ajustadas quer na Burra quer na Tábua de Ferros (Tabueta e Tabuleta) as Noras eram depois entrelaçadas, novamente, enrolando-se umas nas outras. Nesta fase o cordoeiro estava sempre junto da cartilha, observando a operação. Se uma das Noras enrolava desigualmente, o cordoeiro mandava o ajudante “tocar” só o ferro correspondente, estando as manivelas para esse efeito marcadas.

Na manufactura das guitas as operações são em muito semelhantes, no entanto o fio é mais fino e delicado e a Burra é substituída pelo Engenho da Guitas. A roda era tocada mais devagar e o Engenho tinha mais rotação, devido à desmultiplicação dos carretos.

A profissão de Cordoeiro também era errante e sazonal. As cordas eram feitas essencialmente no Verão e nas Casas Agrícolas, ficando o grupo hospedado na Casa. O trabalho por vezes durava semanas e ao cordoeiro eram entregues as “pedras” de linho necessárias. Cada pedra pesava cerca de 4,5 Kg. Com esta quantidade de linho, manufacturavam-se 18 Calabres, 18 a 20 Travadeiras, 250 Prisões, 200 Guias e cerca de 20 Rédeas. Quando acabavam estes trabalhos, que eram feitos todos os anos, os cordoeiros faziam uma série de cordas que vendiam nos Domingos, pelas diversas aldeias, à saída da missa.

Em Salgueiro do Campo constitui-se um centro artesanal de confecção de cordas.

Ainda vive o filho (Sr. António Martins) do último cordoeiro, que conserva todo o instrumental com que seu pai (Sr. Alberto Martins) confeccionava os vários tipos de corda necessários aos trabalhos do campo próprios da região. Estão confirmadas relações entre os cordoeiros deste centro e os do centro de Pereiro, e mesmo com os cordoeiros do centro de Idanha-a-Nova. Todos se encontravam nos mercados de Castelo Branco, onde iam vender as cordas que faziam quando lhes sobrava tempo, depois de satisfazerem as encomendas das grandes casas agrícolas. ali trocavam impressões sobre a forma de fazer melhor as cordas e mesmo sobre os vários tipos de cordas, aprendendo uns com os outros. No Salgueiro utilizava-se como matéria-prima o linho, mas também se faziam cordas com o cabelo de animais.

Ligado à arte da manufactura da corda e a outras próprias da actividade agrícola, como a sacaria e as mantas, praticava-se no Salgueiro a cultura do linho.

A Manufactura do Linho


"Para dar a luz ao mundo mil tormentos padece a azeitona".



Para vestir o homem não menos padece o linho, desde a sementeira, onde inicia o seu ciclo, até à confecção do vestuário e de outras peças para que é destinado, em massacres e transformações sucessivas.

Praticamente nula implantação tem hoje, no Salgueiro, a cultura e preparação do linho. Porém, até meados do séc. XX, era significativa a sua produção. Poucas eram as famílias que não tinham a sua leira de linho que por suas próprias mãos preparavam, com vista às necessidades do lar e à confecção do enxoval das filhas casadoiras.

Preparada a terra, de preferência de constituição argilosa mas sem humidade excessiva, lança-se a semente, em princípios de Novembro, que dá origem à planta, de haste erecta, direita e fibrosa.

Se o Inverno é chuvoso e as ervas daninhas abundam, procede-se à monda para que aquelas não dificultem o crescimento do linho e este atinja o desenvolvimento normal até cerca de 70 a 80 centímetros..

Na Primavera cumpre-se a lei natural da reprodução: aparecem as flores azuladas que frutificam em bagas, dentro das quais estarão as sementes que hão-de garantir a sua continuidade.


Nasce o linho dentro de água
Anda sempre regadinho
Assim meus olhos com mágoa
Parecem irmãos do linho
(Popular)


Após a frutificação, com os primeiros calores de Maio, o linho começa a amarelecer, terminando o seu ciclo vegetativo. Procede-se então ao arranque, caule a caule, que se dispõem em paveias.


Não colher o linho verde
Deixai-o a embaganhar
Que a baganha tem semente
P'ra tornar a semear
(Popular)


De seguida é ripado, no ripanço -- tábua dentada com 10 a 15 dentes, muito unidos, onde as bagas não passam -- espetado no solo ou encaixado num buraco de um banco a tal fim destinado. Separadas as bagas, que caem para uma manta previamente estendida no chão, põem-se a secar ao sol com o fim de abrirem e deixar livres as sementes - a linhaça.

O linho é atado em molhos e seco à sombra para que não fique quebradiço.

Depois de seco é levado à ribeira para ser alagado -- mergulhado em água com pedras em cima para o manter submerso durante nove dias.

De regresso a casa passa o linho a ser submetido a operações cada vez mais violentas.

Em pleno verão, aproveitando as horas que, com justiça, podiam ser gozadas com uma sesta reparadora das madrugadas que se vivem, procede-se ao massamento: sobre uma pedra lisa de quartzite batem o linho com o maço -- rolo de madeira com cerca de meio metro de comprimento e pegadeira -- para que largue a parte lenhosa do caule, num ritmo cadenciado e monótono.


O linho que estou maçando
Eu já vos vou explicar
É para a minha mulher
Ao serão ter que fiar
(Popular)


Acabada a tortura do massamento, outra se segue.

É tascado: o linho é apertado por alavanca que encaixa numa fenda da tasca e puxado, separando as arestas, de forma a ficar mais fibroso.

De imediato o linho é espadanado. Com a espadana -- instrumento de madeira em forma de machado de cabo curto -- batem numa mão-cheia de linho, colocado em posição vertical e encostado a um cortiço ou a um banco, a fim de retirarem as fibras mais curtas ou partidas que ficam a ser designadas por estopa.

E ao som das espadanadas cantam as linheiras.


Linho branco espadelado
Quem mo dera fiar
P'ra camisa de noivado
P'ra renda do meu colar
   (Cancioneiro regional)


Mas a selecção não fica por aqui.

No sedeiro, onde é assedado, o linho é puxado por sobre um conjunto de pregos bem aguçados, sendo retirada a estopa mais fina a que dão o nome de estopinha.


A estopa e a estopinha enrolam-se em quantidades suficientes para serem colocadas nas rocas e tomam o nome de armos. Ao linho, depois de retirada a estopa e a estopinha, enrola-se em pequenas porções - as estrigas. Se o linho é destinado à venda, é atado em "pedras", com o peso de 3 kg, antes de espadanado e assedado. Nestas condições o linho é utilizado na cordoaria. Alberto Martins, mais conhecido por "ti" Alberto Cordoeiro, era exímio nesta arte e satisfazia as necessidades da freguesia e das povoações em redor.

Mas a maior parte do linho é destinado ao vestuário.

Nos serões das longas noites de Inverno ou nas abrigadas das tardes soalheiras da mesma estação, as mulheres fiam o linho. Enrolado na roca, é puxado pouco a pouco com a mão esquerda, descaroçando com os dentes para que o fio fique com igual espessura e torcido pelo movimento giratório do fuso accionado com a mão direita e onde o fio enrolado formando a "massaroca".

 "Não quebra o fio por delgado, senão por gordo e mal fiado"
 "Mãe, que é casar? Filha é fiar, parir, chorar".

(Ditos populares)


Quem me dera ser amor
O linho que estás fiando
P'ra receber os beijinhos
Com que o vais adelgaçando.
Quem me dera ser tão fino
Como o linho que fiais
Quem vos dera tantos beijos
Como vós no linho dais

               (Cancioneiro regional)


Com o fio de 4 massarocas e utilizando o sarilho, fazem-se as meadas que se mantêm unidas pelo "costal".

É o linho de cor cinzenta escura e, para a sua utilização, há necessidade de o branquear. Assim, o linho é embogado, isto é, metido em cinza amassada, onde está um dia, sendo depois metido em cestos velhos para ir ao forno, meio quente, e aí se manter durante dia e meio.

Toma novamente o linho o caminho da ribeira, desta vez para ser lavado e corado, as vezes necessárias para o seu branqueamento.

Com o auxílio de outro instrumento -- o argadilho ou dobadoira -- as meadas são dobadas em novelos, ficando então em condições de tomar o caminho do tear onde a tecedeira o tece e forma as teias, de comprimento variável.

E fica o linho em condições de atingir o fim último da sua existência.

Chamas ao meu cabelo
Sarilho de ensarilhar
Eu também chamo ao teu
Dobadoira de dober.

         (Cancioneiro regional)

 

Com o tecido feito de estopa e estopinha se fazem os sacos para a semente, os panais para a apanha da azeitona e as mantas para a cama, estas entrelaçadas com ourelos -- tiras de pano velho de várias cores -- que a tecedeira sabe distribuir de forma a produzir desenhos de belo efeito.

Do linho mais fino fazem-se as camisas, as ceroulas, os lenços, as toalhas de mesa e de rosto, etc.

A Produção Artesanal do Vinho (Ver A vinha)