A matança do porco

Pela sua fecundidade, extraordinária faculdade de adaptação ao meio e pela entrega total da sua existência ao homem, é o porco um dos mais precioso animais destinados à alimentação humana.

Com a sua morte vem a fartura para as nossas casas e nasce no coração de cada um de nós um honesto momento de gratidão.

Quase todo o lar do Salgueiro tem um porco de chiqueiro. O destino é sempre o mesmo. Comidas as últimas bolotas ou abóboras, transforma-se um dia a casa em sua honra. Vai longe o sentimento de ternura nos seus primeiros dias de vida.

E parece festa o dia da matança! Fazem-se apostas na previsão do número de arrobas que o bicho terá.

Abre-se a despensa, aprestam-se objectos de uso raro, enfeitam-se as mulheres de largos aventais, lenços na cabeça, e torna-se buliçosa a criança mais sossegada.

Sobre a banca, rodeado de homens que tudo podem, está o porco indefeso. O matador, metendo a faca de dois gumes na base do pescoço, procura cortar-lhe a veia fatal. O sangue, para as morcelas, é recebido em um alguidar contendo sal e vivamente batido com uma colher de pau a fim de evitar a coagulação.

Sangrado o porco, procede-se à sua limpeza e descabelo que é feito por chamuscagem, raspagem e lavagem. A chamuscagem, feita hoje por maçaricos a gaz butano, era há bem pouco tempo levada a cabo por «faixas» -- giestas enfaixadas e secas. Terminada esta operação, passa-se um pau em forma de V -- o chambaril -- nos tendões das patas traseiras e suspende-se o animal de cabeça para baixo, sem tocar no chão, colocando por baixo do focinho um alguidar para receber algum sangue que pingue.

Com golpes cuidadosos, abre-se o animal sem ferir os intestinos, que se depositam num tabuleiro colocado em frente. Abre-se a cavidade toráxica, retiram-se os pulmões, o fígado e a língua, lava-se a cavidade com vinho e procede-se à pesagem.

Logo de seguida um rancho de mulheres, de tabuleiro à cabeça, dirige-se à ribeira para a lavagem das tripas.

Depois de seco o porco, procede-se ao seu esquartejamento, vulgarmente chamado «a desmancha», com destino à salgadeira, livrando-se apenas da mortalha do sal, lombos que hão-de ser transformados em chouriços e as «banhas» em farinheiras.

Corta-se a cabeça, destacam-se as «mantas» de toucinho e separa-se a carne segundo o uso e as necessidades, variáveis de casal para casal.

Após a desmancha, as mulheres migam a carne para os alguidares ou para as masseiras, separando segundo os destinos: morcelas, chouriços, linguiças e farinheiras. As morcelas são enchidas em tripa de porco e «encaladas» no dia da matança; o restante enchido é ensacado geralmente dois dias depois, os chouriços em tripa de porco -- intestino grosso -- as linguiças e as farinheiras em tripa de vaca.

Dura a faina da matança oito dias bem contados. Durante eles transborda a mesa de carnes, e pobre estômago de quem, sem ter nascido e vivido nestes hábitos, se atreve a misturar-se nas suas intimidades.

Espera-se a quadra fria e seca em que a carne melhor enxuga e enrija e a salga é mais perfeita.

Era crença antiga do salgueirense que o porco devia ser morto durante o quarto crescente, afirmando que fora desta circunstância a carne mirraria na panela e o toucinho minguaria na salgadeira.

Em tempos idos, abundava no Salgueiro a raça de tipo céltico: de dorso longo, testa curta e chata, tromba comprida, orelhas grandes e pendentes. Tipo rústico, mas de desenvolvimento lento. Hoje abundam raças de desenvolvimento mais rápido e com maior percentagem de carne magra, embora mais exigente na alimentação e condições sanitárias.

                        Enchimento dos chouriços

                                    Fumeiro