A oliveira

A oliveira é a árvore por excelência da região. Nenhuma árvore convém mais ao Salgueiro, nenhuma pode defini-lo melhor. É sua companheira de toda a vida e bezerro de ouro destas gentes.

Desde a Areeira até às Hortas Velhas, numa extensão de uns cinco quilómetros, há extensos olivais que hão-de fartar o canto das arcas e donde se há-de comer todo o ano.

A zona mais rica em azeite e de melhor qualidade é a Lomba, terra vermelha e forte, própria para o desenvolvimento da oliveira.

O salgueirense tem mais preocupações com a oliveira que com qualquer outra cultura. Para ela trabalha, pois dela vive principalmente.

Na mesa do rico está presente a oliveira com os seus frutos negros, por extravagância ou regalo de apetite; no farnel do pobre, para conduto do pão da merenda.

Oliveira que dá beleza, azeitona que dá regalo, azeite que dá suavidade à vida, é a maior riqueza e a melhor expressão do Salgueiro.

Qualquer trabalho com a oliveira é feito com cuidado e dedicação. A limpeza é feita de três em três anos, por peritos, homens sabedores do ofício, pois assim se garante a quantidade do fruto nos próximos anos.

São geralmente estrumadas de três em três anos ou adubadas de dois em dois. Porém, se no mesmo terreno é feita qualquer outra cultura, a oliveira é estrumada todos os aos. A lavoura é feita não muito funda para não ofender as raízes.

Em Novembro e Dezembro apanha-se em grandes grupos a azeitona.

Escadas ao alto, prodigiosamente equilibradas contra os ramos das velhas oliveiras. Os homens sobem lestos os vinte degraus, aproximam de si os ramos mais frágeis e distantes, e colhem a azeitona que atiram para os panais donde as mulheres, depois de retiradas as folhas, cirandando-a, a recolhem nas canastras.

Levantam-se antes do romper d'Alva, acordados pelo toque do búzio (hoje em desuso), para estarem ao sol nado nos olivais.

As mulheres, pelo caminho, lavam a cara num ribeiro ou fonte por onde passem. A água corta, de fria, os dedos gretados doem mais, mas as faces ficam mais vermelhas depois de enxutas nos aventais ou nos lenços.

É certo que os dedos doem e as «cruzes» ao meio do dia já estão partidas, de tal maneira que mal podem endireitar-se, mas levam para casa, ao fim daqueles meses de trabalho, uns bons contos de réis; e algumas querem comprar uns sapatos e fazenda para um casaco grande para estrearem no Natal.

É o trabalho favorito da gente moça, que o anima com canções típicas dos serviço:

                                Quando eu t'além vi vir,
                                Ai! Solidão, Solidão!
                                Linda boquit'a falar...
                                Ai!... ai ai!... ai ai!
                                Logo meu coração disse,
                                Ai! Solidão, Solidão!  
                                Além vem quem hei-d'amar.
                                Ai!... ai ai!... ai ai!

                                Os olhos do meu amori,
                                Ai! Solidão, Solidão!
                                São duas baguinhas pretas...
                                Ai!... ai ai!... ai ai!
                                Namorei-os ó luar,
                                Ai! Solidão, Solidão!
                                à sombra das violetas!
                                Ai!... ai ai!... ai ai!

No fim da Solidão cantam:

Homens -- Vem de lá ó Maria,
                  Tudo vai do benq'rer!...

Mulheres -- 'Stá o luar amoroso,
                   Não te poss'ir a ver!...

 

A Solidão e a Prima são de todas as mais típicas.

                                 Algum dia era eu,
                                Ó prima, ó prima!
                                Outro dia eras tu...
                                És tão linda, coradinha! 
                                Agora nem tu nem eu,
                                Ó prima, ó prima!
                                Agora nem eu nem tu...
                                És tão linda, coradinha!

                                 A minha mãe mais a tua,
                                Ó prima, ó prima!
                                Foram ambas a lavari...
                                És tão linda, coradinha!
                                A minha mãe lavou no tanque,
                                Ó prima, ó prima!
                                A tua no alguidari....
                                És tão linda coradinha.

Se dois ranchos de gente moça e alegre se encontram relativamente próximo -- o suficiente para se ouvirem -- tem lugar o despique:

Dizem dum lado -- Viv'ó meu
                             E zurra no teu,
                             Viv'ó meu
                             Qu'é melhor qu'ó teu!...

Dizem do outro -- Viv'ó nosso
                            E zurra no vosso,
                            Viv'ó nosso
                            Qu'é melhor qu'ó vosso!...

O termo da colheita é festejado com uma ceia oferecida pelo patrão.

O pessoal da colheita e da escolha da azeitona todo se reúne.

O patrão manda servir couves com bacalhau em alguns alguidares e em torno dos quais o pessoal se   distribui. saboreiam o bacalhau, correm rodadas de vinho, e alguns começam a cantar. Há alegria a rodos e aparecem então os sons melodiosos de uma concertina, seguindo-se as danças.

Nos intervalos das músicas, as vozes fortes, com ressaibos de tradição, elevam-se na noite evocativa.

São os vivas aos patrões:

Ó Zé. é. é. é. é. é............. é
O que é. é. é. é. é. é............ é
Dá cá o podã. ã. ã. ã. ã. ã............. o
P´ra quê. ê. ê. ê. ê. ê............. ê
P´ra dar uma viva ao nosso patrã. ã. ã. ã. ã. ã........... o
Vi. i. i. i. i. i............. vó!

 

Ó Zé. é. é. é. é. é............. é
O que é. é. é. é. é. é............ é
Dá cá a podô. ô. ô. ô. ô. ô.............. a
P´ra quê. ê. ê. ê. ê. ê............. ê
P´ra dar uma viva à nossa patrô. ô. ô. ô. ô. ô............ a
Vi. i. i. i. i. i............. vó!

Uma rapariga entrega então um ramo de oliveira, vistosamente enfeitado, ao patrão, como sinal de gratidão pela amizade dispensada dizendo:

                                Aqui vai este raminho,
                                Flores leva em botão.
                                Não vai tanto à minha vontade
                                E como merece o nosso patrão.

O tocador continua a saltar de tecla em tecla, na música tradicional e os ouvintes, já avinhados, dançam numa toada enérgica.

Os dedos já não doem, as «cruzes» já não estão partidas.

É o último dia da colheita daquele ano.

No dia seguinte, ao romper d'Alva, volta a monotonia e o trabalho sem tréguas.

Mas é já outro serviço.

A azeitona acabou.

                                             Olival 

                            Apanha da azeitona

                           Tulhas para azeitona

                        Lavagem da azeitona

                                         Máquina

                                      Moinho  

                                             Prensas

                            Centrifugadora

             Depósitos de armazenagem do azeite

                                             Bagaço      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                 Ó Zé. é. é. é. é. é............. é
                                O que é. é. é. é. é. é............ é
                                Dá cá o podã. ã. ã. ã. ã. ã............. o
                                P´ra quê. ê. ê. ê. ê. ê............. ê
                                P´ra dar uma viva ao nosso patrã. ã. ã. ã. ã. ã............. o
                                Vi. i. i. i. i. i............. vó!

                                 Ó Zé. é. é. é. é. é............. é
                                O que é. é. é. é. é. é............ é
                                Dá cá a podô. ô. ô. ô. ô. ô.............. a
                                P´ra quê. ê. ê. ê. ê. ê............. ê
                                P´ra dar uma viva à nossa patrô. ô. ô. ô. ô. ô.............. a
                                Vi. i. i. i. i. i............. vó!