Costumes e tradições de Salgueiro do Campo

AS "ALMINHAS"

Junto aos caminhos, entre as povoações, encontramos as Alminhas, sinal espiritual do culto cristão dos mortos conservado nas orações dos vivos.

As expressões populares do culto dos mortos são essencialmente cristãs e nelas se reconhece um fundo comum de saudade, de carinho, intimidade e respeito pelos mortos.

Até 1933, a freguesia de Salgueiro do Campo abrangia as povoações de juncal e Palvarinho e somente na sede de freguesia havia cemitério onde eram sepultados os defuntos das povoações anexas. No caminho entre as três povoações aparecem as Alminhas onde o fúnebre cortejo descansava e implorava a Deus a sua divina protecção para o finado e para todas as almas do Purgatório.

No caminho que liga a vizinha povoação do Juncal ao Salgueiro existia apenas um pequeno cruzeiro de granito, já corroído pela erosão, mas que mostrava ainda, em baixo relevo, a figura de Cristo. Em 1949, foi nesse lugar construída uma capela dedicada a Nª srª de Fátima e a pedra, que tantas almas havia convidado à oração, desapareceu.

No caminho do Palvarinho havia também um cruzeiro, este mais completo em arte e em tamanho. Era constituído por uma pequena câmara, com a frente envidraçada, a cerca de um metro do solo e encimada por uma cruz de granito, tendo na câmara a imagem de Cristo cruxificado. Em 1955, este cruzeiro foi mudado para junto do cemitério do Palvarinho e restaurado. Porém, o local onde inicialmente se erguia ficou para sempre com o nome de "Cruz".

Num local da antiga estrada que nos liga a Castelo Branco, denominado "curva da morte", no caminho da Fonte-Fria, e nos caminhos que nos leva ao Pedralves e a Valmendinho, encontrávamos, não há ainda muito tempo, simples cruzes de ferro ou esculpidas numa pedra a avivar a saudade por alguém que ali perdera a vida e a implorar por ele uma prece.

 

AS ALCUNHAS

Pela vulgaridade e pouca heterogeneidade dos nomes e apelidos e a necessidade de melhor identificar os indivíduos, mas também como resultado de brigas ou simples desinteligências, deveriam nascer como meio de identificação das pessoas, as alcunhas, em alguns casos mais conhecidas que os próprios nomes.

Não se veja, nas alcunhas que recolhemos, qualquer intenção malévola ou depreciativa. Moveu-nos unicamente o desejo de registar tudo o que sobre o assunto nos foi dado a conhecer para transmitir aos vindouros um pouco do passado e do nosso viver actual.

Agarrête

Albardeiro

Alferes

 

Baboso

Badana

Bajouja

Bandarra

Banqueiro

Barriá

Barriga-cheia

Barroso

Batata

Belhó

Bicha

Blateiro

Boieiro

Bombocha

Borrego

Botelho

Boucha

Bragueso

Brasileiro

Brôa

Broca

Brocheiro

Caçapo

Cachaço

Caçola

Caganeira

Cainata

Calado

Camadas

Cambalhotas

Cangalhas

Canhoto

Capitão

Capote

Carquito

Castanho

Castelhana

Cebola

Ceroulas

Cevada

Charlot

Chelho

Chopo

Choucho

Chum-Chum

Cochacho

Cócó

Coelho

Companhia

Cornito

Cotovio

Coxo

Cuco

 

Darréis

Doutor

 

Escavaterra

Espanhol

Estica

Faneca

Farinha

Farrapo

Faílhas

Flor

Formiga

Francês

Frasco

 

Galdins

Garroucho

Gira

Godinho

Grilo

Grina

Guerra

Guinha

Guita

 

Inês

 

Jaqueta

 

Lameiras

Lanzinha

Lapão

Latas

Lézinho

ligeiro

Lindona

Linhas

Lobo

 

Macú

Marmelo

Marreta

Mascarito

Menúria

Merenda

Ministro

Moço

Moreira

Mosca

Mota

Músico

 

Navã

Nixa

 

Oito-Vinténs

 

Palhoto

Pandeireta

Parafuso

Pardal

Parente

Papa-Ratos

Patas

Patilhas

Pecado

Pechincha

Peixe

Peixeiro

Pelhota

Pena Verde

Penalo

Pequeno

Perdido

Perfeito

Picanço

Pinguinha

Piolho

Piroteu

Pisco

Polícia

Pregulho

Quarto Cabo

Rabão

Rabita

Raposo

Ratatau

Real

Rei

Remelado

 

Sachola

Salazar

Santana

Sapo

Sardinha

Sarineu

Sarreta

Sequeira

Sotana

 

Tentilhão

Teste de Barro

Tocha

Traita

Tremoço

Trezo

Tróia

 

Varão

Venetas

Vermelho

Vermute

 

Salgueiro, tripas de carneiro.

Juncal, tripas de pardal.

Palvarinho, tripas de passarinho.

 

A Rua Pequena é alcunhada por Rua da Moeda por, em tempo, nela habitarem os Oito-Vinténs, os Banqueiros e os Darréis (Dez-Réis).

 

OS ADÁGIOS

Os adágios, os provérbios e as sentenças populares exprimem, na maior parte dos acsos, o verdadeiro sentimento da vida de um povo -- o seu viver, as suas crenças, a sua moralidade -- e encerram verdades incontestáveis.

Uns falam do tempo e sua influência na vida campesina ou estipulam o calendário nos diversos trabalhos do campo; outros são autênticas normas de conduta moral e social; outros, ainda, alertam-nos e advertem-nos das consequências de uma vida quando seguida por bons ou maus caminhos.

Transcrevem-se os adágios mais citados, mas sempre seguidos pelas gentes do Salgueiro:

  1. Em Janeiro sobe ao outeiro: se verdejar, põe-te a chorar; se vires terrear, põe-te a cantar.

  2. Janeiro quente traz o diabo no ventre.

  3. Não há luar como o de Janeiro nem amor como o primeiro.

  4. Luar de Janeiro é o primeiro mas lá vem o de Agosto que lhe dá no rosto.

  5. Quem poda em Março, vindima no regaço.

  6. Março Marçagão, manhã de inverno tarde de verão.

  7. Em Abril, águas mil, coadas por um mandil.

  8. Em Abril queima a velha o carro e o carril.

  9. Quando o cuco não canta entre Março e Abril, ou ele é morto, ou o frio está para vir.

  10. Mal vai Março se não chove em cada dia seu pedaço.

  11. Quem não debulha em Agosto, debulha com mau gosto.

  12. Pelo S. Tiago, pinta o bago.

  13. Em dia de S. Lourenço vai à vinha e enche o lenço.

  14. Pelo S. Judas já colhidas as uvas.

  15. Em dia de S. Martinho, vai à adega e prova o vinho.
  16. Pelo Natal, bico de pardal. (Alhos)

  17. Quem não trabuca não manduca.

  18. Guarda que comer e não guardes que fazer.

  19. Quem tudo quer tudo perde.

  20. Quem muito dorme pouco aprender.

  21. Quem não poupa água nem lenha, não poupa nada que tenha.

  22. Grão a grão enche a galinha o papo.

  23. Mais vale um pássaro na mão que dois a voar.

  24. Quem semeia recolhe.

  25. Nem tudo o que luz é ouro.

  26. Água mole em pedra dura tanto dá até que fura.

  27. Águas passadas não movem moinhos.

  28. Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

  29. O que não mata engorda.

  30. Quem se deita sem ceia, toda a noite esperneia.

  31. As palavras são como as cerejas.

  32. Quem escuta, de si ouve.

  33. Mais vale prevenir que remediar.

  34. Quem muito fala pouco acerta.

  35. Pela boca morre o peixe.

  36. Gato escaldado de água fria tem medo.

  37. Quem o feio ama, bonito lhe parece.

  38. Cão que ladra não morde.

  39. As aparências iludem.

  40. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.

  41. Quem dá aos pobres, empresta a Deus.

  42. Quem vê caras não vê corações.

  43. Faz bem e não olhes a quem.

  44. Primeiro que cases, vê o que fazes.

  45. À vista da noiva é que se trata o casamento.

  46. O tempo é que cura os marmelos.

  47. Atrás de tempos, tempos vêm.

  48. Filho de peixe sabe nadar.

  49. Filho és, pai serás; assim como fizeres, assim acharás.

  50. Homem pequenino, ou velhaco ou dançarino.

  51. A rico não devas e a pobre não prometas.

  52. Quem se mete em atalhos, mete-se em trabalhos.

  53. Não há fumo sem fogo.

  54. Não te rias do mal do teu vizinho que o teu vem a caminho.

  55. Zangam-se as comadres quando se dizem as verdades.

  56. Zangam-se as comadres descobrem-se as verdades.

  57. Quem faz um cesto faz um cento, se lhe derem verga e tempo.

  58. Quem o alheio veste, na praça o despe.

  59. Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhes vem.

  60. A laranja de manhã é ouro, ao meio-dia é prata e à noite mata.

  61. Paga a quem deves e verás com que ficas.

  62. Quem casa quer casa.

  63. A cavalo dado não olhes a dente.

  64. Até ao S. João não largues a capa nem o gabão.

  65. Galinha de Janeiro põe no colmeiro.

  66. Homem grande, corpo de palha.

  67. Ano de nevão, ano de pão.

 

AS RONDAS

A técnica e o progresso são factores que influenciam e modificam a vida das pessoas e dos povos.

Em tempos passados, quando a televisão não passava de mero sonho e mesmo esse desconhecido para alguns, em que as reuniões, além das familiares, que tinham lugar ao serão ao calor aconchegado da lareira, se resumiam às tabernas, os rapazes tinham os seus passatempos, que constituíam tradição. Jogavam o fito e as cartas e bebiam uns copos que os vencidos pagavam.

Após o encerramento das tabernas e geralmente aos Sábados e Domingos, tinham lugar as "rondas".

Percorrendo as ruas, no silêncio da noite, grupos de rapazes ao som da guitarra, iam cantando o fado.

Os temas eram variados: os namoros, a História de Portugal, a vida de Cristo, a vida quotidiana, que dois ou mais cantores, em despique, desenvolviam.

Por vezes, alguém, um mais idoso e saudoso dos tempos passados, juntava-se ao grupo, matando saudades da sua juventude, como é o caso das quadras que se seguem, cantadas por Manuel Pires de Azevedo e que intitulámos:

 

"Recordações da Juventude"

Ainda tenho  recordações

Do bom tempo de solteiro,

Cantava lindas canções

Sempre sem ganhar dinheiro.

 

O cantador verdadeiro

Que tem ideal profundo,

Quadra o primeiro com o terceiro

E o quarto com o segundo.

 

Eu no fado dava tudo

Segundo ouvia contar,

Eu tinha o cantar miúdo

Mas bem alto o meu bradar.

 

Até saltava quintais

Ó fado p'ra ir contigo,

A minha mãe dava ais

Do fado andar comigo.

 

Agora vou começar

Se os senhores me dão licença,

Se eu nalgum ponto errar

Tenham todos paciência.

 

Dantes tinha competência

Hoje já estou destreinado,

Tenham todos paciência

Se virem que estou errado.

 

Oh! lindas canções do fado

A esquecer tanto custais,

Há quarenta anos casado

Cada vez me lembram mais.

 

Eu sou filho do torrão

Eu c'o torrão fui criado,

Minha vida é ser ganhão

Mesmo a lavrar canto o fado.

 

Sempre trouxe no sentido

Os pontos da quadração,

Talvez fosse prejuízo

Não fazer da voz profissão.

 

Pela prima e p'lo bordão

Eu fui sempre apaixonado,

Roubaram-me tanto serão

E estou sempre a vosso lado.

 

Oh! lindas canções do fado

Tanto custais a esquecer,

O homem que nasce tentado

Gosta de vós até morrer.

 

Ouço as cordas a gemer

Não sei sinto em mim,

Vou muito longe p'rás ver

Com esta ideia nasci.

 

Já de tudo me esqueci

Também já tenho razão,

Já todos os vícios perdi

Só o do fado é que não.

 

Quando me sinto enfadado

E quase morto a cair,

Começo a cantar o fado

Sinto-me logo a reagir.

 

Sempre ao fado quero unir

Já com a minha voz cansada,

Quando desta vida partir

Fica a minha nomeada.

 

Quando eu nas ruas soava

No Salgueiro dava fama,

E a minha mãe chorava

Deitada na minha cama.

 

No tempo que eu dava fama

Subia alto o meu som,

Agora já caio na lama

Já sou pai já sou avô.

 

Já perto fica o meu som

Os meus anos já são tantos,

Já sou pai já sou avô

Já estou de cabelos brancos.

 

Peço a Deus e aos santos

Mais uns anitos de vida,

Já estou velho mas 'inda canto

Ao pé da guitarra querida,

Já derrepente m'espanto

Fica aqui a despedida.

 

A IDA ÀS "SORTES"

A inspecção para o recrutamento de pessoal para os erviço militar era um facto importante par os que, atingidos os vinte anos, a ela eram obrigados a submeter-se.

Em tempos antigos, em que não havia ou não era obrigatório o registo civil, os mancebos, aos dezoito anos, iam inscrever-se "dar o nome" para mais tarde se proceder à inspecção. Hoje ainda isso acontece, não para proceder ao recenseamento porque esse existe, mas para dar indicações da sua morada actual, das habilitações literárias e outras informações julgadas de interesse para a "tropa".

A inspecção era geralmente em Junho. Antes, muito antes, já os rapazes se haviam reunido para fornecer o madeiro do Natal que, por obrigação tradicional, ainda hoje a eles pertence, bem como na patuscada que nesse mesmo Natal realizam e ainda na organização de alguns bailes durante o ano. E chegavam os grandes dias!

Eram dois os dias que a festa ocupava.

Na véspera, os rapazes iam para a ribeira onde tomavam o seu banho e passavam a tarde.

No primeiro dia iam à Câmara Municipal levantar as guias e o segundo era destinado à inspecção.

Sempre alegres, percorriam as ruas da cidade acompanhados pelo acordeonista. À tarde regressavam ao Salgueiro onde a festa atingia o auge, cantando até à rouquidão, ao som do estrelejar dos foguetes.

Eram frequentes os vivas:

- Vivam os apurados!

- Vivam os livres!

- Vivam os esperados!

- Viva o nosso acordeonista!

 

As viagens eram antigamente feitas em carroças puxadas por muares, vistosamente engalanadas, como se de romeiros se tratasse. Mais tarde passou a utilizar-se o autocarro e o automóvel.

Alguns meses depois, em ambiente de contraste (!), os apurados eram chamados ao cumprimento do dever: servir a Pátria.

Hoje pouco significado tem a ida à inspecção e até na aldeia passa despercebida a sua data.

 

O PRIMEIRO AUTOMÓVEL NO SALGUEIRO

Chegara a Castelo Branco o primeiro automóvel e a notícia do facto era comentada no Salgueiro.

Era para alguns, acontecimento tão extraordinário para a época como hoje o é a ida à Lua.

Como em todos os tempos e em toda a parte, houve e sempre haverá aqueles para quem a roda do tempo está imobilizada ou lentamente se move.

Manuel Sebastião, pessoa grada da época, em grupo de pessoas que comentavam o acontecimento, afirmou que ao Salgueiro só viriam os automóveis "quando as galinhas tivessem dentes".

António Maria Penteado, pessoa de muitos haveres, a quem faltou em sorte o muito que possuía de bondade, pensou em contrariar a ideia deste "velho do Restelo".

À sua custa ordenou a reparação conveniente do caminho de Salgueiro a Castelo Branco, pelo Palvarinho, bem como a construção da ponte sobre o Ocreza, no sítio das Queirozes.

Decorriam os primeiros anos da República e, para sensibilização e consciencialização do povo à aceitação do novo regime, organizavam-se festas-comícios.

Aproveitando uma destas festas, António Maria Penteado promoveu a ida do primeiro automóvel ao Salgueiro. De passagem pela porta de Manuel Sebastião, este foi convidado a verificar se às suas galinhas já tinam nascido os dentes!

Celebrava-se também nesse dia a Festa da Árvore. Foram plantadas duas árvores no Adro da Igreja, duas no Largo do Rossio e uma no actual Largo da Estrada, mas apenas uma -- no adro da Igreja -- se mantém.

No discurso então proferido pelo Prof. José António Pereira e por novamente fazer referência ao "fenómeno" de a algumas galinhas do Salgueiro haverem nascido os dentes, valeu-lhe ser atingido na cabeça com uma chave que lhe provocou ferimentos.

Há factos que, passados na nossa meninice, ficam para sempre na nossa memória.

Assim, António Pires Martins, que deste episódio me deu conhecimento, acabou a narração dizendo que nesse dia apanhou uma "tareia" do pai por ter chegado tarde à ceia, pois tanto ele como os demais, embevecidos na contemplação do automóvel, esqueceram a hora estabelecida para entrar em casa: o sol-posto.